caro tiago,

Maria Carolina de Souza
3 min readJan 23, 2021

estive a pensar em sua pergunta.

ricardo disse-me que somos como flores. (gosto da ideia de coletividade que há em toda essa questão. nunca sou eu sozinha.) não quaisquer flores, mas rosas que florescem por um dia e, antes que o sol desapareça do céu, elas se esvaem. nós vivemos por um dia. não sabemos o que veio antes do sol nem o que virá depois do sol porque, na verdade, isso não está sob o nosso controle. pedimos a qualquer alexandre, não importa quão grande seja, para sair da frente do sol porque ele é a nossa verdade e a única coisa que conseguimos apreender nessa existência. sequer sabemos se há algo além do sol porque ele é tudo o que conhecemos. só vemos o dia claro. o céu azul. e talvez seja melhor ignorar o fato de que a vida não é apenas um dia. talvez seja melhor simplesmente fingirmos que há apenas o sol, apenas as manhãs e as tardes e vivermos como se não houvesse noite, como em suas palavras:

Assim façamos nossa vida um dia

Inscientes, Lídia, voluntariamente

Que há noite antes e após

O pouco que duramos.

mas que triste vida seria se não conhecêssemos a noite, você não acha? como pode alguém ser feliz sem ver aquele momento em que a lua cheia está a nascer ou a se pôr e a sua luz está amarelada e a sua proximidade tão grande que quase podemos tocá-la? na verdade, nós até podemos tocá-la, ainda que não apenas esticando nossas mãos. sabemos que não está longe. por que reduziríamos a realidade a um breve momento de nossos dias? só porque nesse instante tudo está às claras e podemos desprezar qualquer ajuda para enxergar o que se põe diante de nós? como viveríamos sem ver o belo caminho estelar que se forma no céu escuro? os astros nos fazem lembrar que essa existência não é pequena e sequer solitária; se tudo debaixo do sol são apenas vaidades e vaidades, lembramo-nos de que há uma vida acima do céu.

e, se a vida debaixo dos céus parece sem sentido, é porque desconhecemos o seu propósito. de nada adianta desfazermos as amarras que nos prendem a tradições se não sabemos o que fazer com o fôlego que enche nossos pulmões. se no serviço encontramos nossa emancipação, a que iremos servir? a coisas pequenas, vãs e passageiras que criamos com as nossas próprias mãos? se assim for, retiremos os panos e estaremos a servir a nós mesmos — coisas pequenas, vãs e passageiras feitas pelas mãos de outro. estaremos a dizer que nós, criaturas, na verdade somos criadores. somos soberanos. servindo a nós mesmos, estaremos a mentir. e qual o propósito de buscar a verdade se preferimos a mentira?

não preciso responder a sua pergunta, tiago. paulo responde. ele mesmo diz que o propósito da nossa vida é buscar ao Criador, ao Senhor a quem servimos. tateando, não podemos achá-lo. talvez o sol nos mostre quem Ele é, mas o sol não dura para sempre. então, talvez, sob a pouca luz da lua, Ele nos ajude a encontrá-Lo. talvez, ao olhar para essa via celestial, nos lembremos do caminho que Ele preparou para chegarmos até o céu. afinal, não está longe de cada um de nós.

e você me pergunta: como, então, viveremos?

nele vivemos

e nos movemos

e existimos.

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Maria Carolina de Souza
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Written by Maria Carolina de Souza

eu nem tenho mais o cabelo loiro, mas essa foto me deixa chique. escrevo sobre a vida, tanto quando ela é boa quanto quando ela é dolorida.

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