estive sentada na areia,

Maria Carolina de Souza
3 min readMay 3, 2020

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sentindo o sol tocar brutalmente minha pele. sentia fome. sentia sede. sentia calor. sentia desproteção. sentia solidão. tudo longe e distante de mim. o mar, agitado e descontrolado, podia ser minha única fonte de sustento. mas sentia medo. todos iam. muitos voltavam. diziam que o mar era agressivo e exigia deles o que não podiam entregar. não se sentiam confortáveis. como se tivessem ido ao mar, mas não tivessem sido tocados profundamente pelo mar. continuavam temerosos, encontravam poucas fontes de vida e voltavam. era insuficiente. aqueles que ficavam afirmavam sua docilidade, sua incondicionalidade, seu abrigo. queriam que todos encontrassem nele a guarda de que necessitam. eu era a única que ficava na areia, sentindo fome, sede e calor. nenhum dos que voltavam se aproximava de mim. eu estava só. o mar era tudo que eu via. quando o sol despontou e a temperatura chegou ao seu ápice, não vi outra escolha. eu não devia ter mais medo. a traçoeridade do mar era a melhor opção. caminhei em sua direção. temerosa. cansada. fadigada. senti suas águas nos meus tornozelos. pensava em voltar, em desistir. permaneci. as águas agitavam-se nos meus joelhos. era mais pesado, mas era confortável. o mar gostava de me ter ali. eu começava a admirá-lo. senti-o no meu peito e eu não sabia mais para onde ir. mergulhei e percebi que não havia vida fora do mar. questionei a causa de tanto medo. o mar não exigia nada de mim. ele não tinha como exigir. ele já era tudo em mim. eu era incapaz de não estar ali. eu o amei em todos os momentos em que o conheci. em meu coração, chamava-me para ir mais fundo e sequer sentia a dor nos meus braços para nadar porque eu era acolhida, aceita, amada e valia a pena. eu não estava mais só. eu não estava mais confusa, perdida, sem escolha. suas águas salgadas eram doces, eram casas, eram os barcos que me levavam ao porto seguro. todo o mundo era bonito e refletia o mar criador. em tudo se encontrava a marca do mar criador. em tudo o mar se fazia presente. suas águas me dissolviam e me faziam de novo. a cada passo, a cada braçada, partes de mim ficavam pra trás e eu me esvaziava de mim mesma, deixando que suas águas perfeitas me preenchessem. o mar se tornava parte de mim cada vez mais que eu o conhecia. ele tocava meu coração, ele lançava fora meus medos, egoísmos, doenças, traumas, imagens de dor que insistiam em retornar pra minha mente tentando me fazer correr de volta pra areia e fingir que nada nunca tinha me tocado. tentativas vãs. o mar me dava força, espaço, tempo. eu era falha, insuficiente, e em mim a perfeição do mar encontrava lugar. nele encontrei minha identidade. descobri quem eu sou. encontrei minha liberdade. podia livremente ser quem eu sou. podia livremente amar e negar quem eu sou. eu viveria aqui eternamente e era isso que ele me oferecia. vida eterna.

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Maria Carolina de Souza
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Written by Maria Carolina de Souza

eu nem tenho mais o cabelo loiro, mas essa foto me deixa chique. escrevo sobre a vida, tanto quando ela é boa quanto quando ela é dolorida.

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